Beltrão - AM-423 e Sônia
Stephem Beltrão Correia Lima nasceu em 13/02/1951, em Vitória de Santo Antão/PE. Ingressou na Marinha do Brasil pela Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco, em 22/07/1968 e foi para reserva no posto de capitão-tenente em 1998. É bacharel em Ciências Contábeis. Atualmente, dedica-se à literatura e à música. É membro da União Brasileira de Escritores - Secção Pernambuco e União Brasileira de Compositores. Publicou os livros “Retratos do Tempo”, 2004, poesias, “Vida de Marinheiro”, 2007, relatos (parceria com colegas), e “Mesa de Bar”, 2009, histórias e curiosidades de bar. O mundo lhe presenteou três filhos e quatro netos. Acredita que as pessoas nascem para serem felizes. Reside em Recife.
Telefones: (81) 8862-7795 e (81) 9698-5918
Ninguém Foge de Seu Destino
Antes dos cinco anos de idade, meu pai já havia sumido. A casa da minha família foi devolvida ao proprietário e a vida ficou péssima. Éramos quatro: eu, minha mãe e dois irmãos mais novos. Somente reencontrei meu pai em 1982, em Pelotas/RS. Na época, eu era 3ºSG-MO, condutor do Contratorpedeiro “Mariz e Barros” - (D-26), o navio atracou no porto de Rio Grande e fui visitá-lo.
Aos oito anos, comecei a trabalhar na feira de minha cidade, por conta própria, aos dez, em um armazém em Bonança/PE e aos treze, em uma mercearia em Recife/PE. Somente interrompi a carreira de comerciário ao me apresentar na Escola de Aprendizes-Marinheiros de Pernambuco (EAMPE).
Na época das provas do Concurso de Admissão no Curso de Formação da EAMPE encontrava-me cursando a 6ª série, mesmo assim, passei nas provas de língua portuguesa, matemática e no exame psicotécnico. O teste pra valer começou na hora da inscrição no concurso, pois tive que procurar o cartório de minha cidade, às pressas, para tirar a segunda via da certidão de nascimento: a infância atarefada e nômade a tinha danificado. Velha, rasurada e ilegível, não foi aceita pela Escola. Outro problema foi a menoridade e a ausência do pai, o que obrigou um tio a assinar uma autorização, no Juizado de Menores. Essas pendências quase me fizeram perder o período da inscrição.
Já no fim da jornada veio o pior: a reprovação nos exames de saúde. O capitão-de-corveta, chefe da junta médica que me examinou, depois de mandar soprar fortemente com a boca tampada pela mão direita, apalpou meus escrotos e avisou que não poderia me aprovar porque eu tinha varicocele - formação de varizes nas veias da região do escroto onde estão alojados os testículos, ocasionando infertilidade e atrofia testicular, alegando, inclusive que na Escola eu não conseguiria acompanhar a turma na calistenia. Concluiu orientando que a cura era fazer uma cirurgia. Reprovado, esqueci a Marinha e comecei a traçar outros planos para a vida. Entretanto, para surpresa geral meu nome constou em todas as relações, como aprovado. Por tudo isso, minha chegada na Escola elevou muito minha auto-estima, pois tinha consciência que entrara onde muitos ficaram no lado de fora. Para mim, foi o prêmio de quem trabalhou durante o dia, estudou à noite e confiou.
No dia da apresentação, sexta-feira, 21 de junho de 1968, após a chamada nominal dos aprovados, o corte de cabelo “zero” para aqueles que se apresentaram cabeludos, a imunização com biocida e o banho coletivo, recebi dispensa com rígidas orientações para regressar na próxima terça-feira, às 07h15min, primeiro do dia útil após o feriado religioso de São João.
Ao regressar no dia determinado, o primeiro encontro foi com um monitor que ao receber nosso grupo, logo, preveniu:
- A moleza acabou, só fica na Marinha quem estuda, quero todo mundo “queimando”, aqui não é lugar de “escamado”, “onceiro”, “bobinho”, “bola sete” nem “rebarbado”. Meu conselho pra quem quer continuar é “foi cinza é pra dar continência, foi amarelo é pra passar kaol”, quem veio pra Marinha pra contrariar a família pode desistir.
Nada disso me desmotivou, nem a perda da cabeleira a moda Roberto Carlos. Sentia-me como quem tivesse auferido um presente do destino. Agora estava em jogo à mudança que a Marinha podia me proporcionar.
De imediato, a nova vida me ofertou 521 irmãos, oriundos de Recife, interior de Pernambuco e de outras cidades e estados. A maioria cultura diferente da minha; mas, de comum, o principal: a juventude.
Logo, começou a rotina escolar. o período de adaptação; a entrega de uniformes; os cerimoniais à Bandeira Nacional, às 08 horas, hastear e, ao pôr do sol, arriar; as aulas; o estudo obrigatório; os exercícios físicos e a prática de esportes; os serviços diários e noturnos e os serviços de rancho; a ordem unida... Os desfiles militares na Avenida Conde da Boa Vista, o primeiro, no dia da Pátria, 07 de setembro de 1968 e o segundo, em 07 de setembro de 1969. Da alvorada ao toque de silêncio tudo era transformação!
A comida era variada e balanceada, precisava apenas um pouco mais de tempero, entretanto, foi responsável pela desistência de alguns colegas. Neste tocante, na chegada, já aprendi que “malhar” ou “dispensar” rancho dava cadeia.
A viagem de adestramento no Navio Transporte “Ary Parreiras” deu o sinal de que o mar nos esperava. Visitamos Natal/RN, Fortaleza/CE, São Luís/MA e Belém/PA. Enfim, tudo que jamais pensei em fazer naquela idade.
Continuando o mundo surpreendente da Escola, encontramos ainda piscina, salão de recreio, sessões cinematográficas no ginásio de esportes, cultos ecumênicos, banda musical, banda marcial; equipes de futebol de campo e salão, vôlei, basquete, natação, judô, boxe, atletismo, remo, apito; acompanhamento médico e dentário; e mais uma imensidão de atividades.
Não participei de nenhuma equipe... Até para o pelotão elétrico não fui selecionado. Acho que isso se deu pela timidez e a curta infância, alguns diziam que eu pertencia a “certa equipe”, mas, vou me omitir a dizer qual.
Gostaria de confessar aos Eternos Adolescentes da Turma Índia que aproveitei o máximo a nossa Escola - a inesquecível Faculdade. Complementei meus conhecimentos de um modo geral, troquei muitas figurinhas com os estimados Indianos, escutei e coloquei em prática as orientações dos mestres civis e monitores militares, fortaleci meus propósitos pessoais baseado nos exemplos da sua tripulação, e me diverti bastante, naquela doce época da jovem guarda, da brilhantina, dos "assustados", da cuba-libre e dos namoros.
De Moleque a Aprendiz
Enquanto adolescente-criança,
Noite de sonhos, dia de moleque,
Vida de bola, tempo de festança,
Bolas de gude, pipa, pião,
Álbum de figurinhas, jogos de botão...
Doce com brigas na volta da escola,
Encontro com o almoço,
Corpo no sofá, cabeça na rua,
Pé no campo de futebol, olho no rio,
Costas no sol, pensamentos na lua.
Nisso chegou o dia do serviço militar,
Servir à Marinha do Brasil,
Cumprir o dever de todo brasileiro,
Aprender a defender a Pátria!
Na Escola de Aprendizes,
Foi grumete e marinheiro,
Nas boas vindas do comandante,
A corneta comandou o cerimonial
E o canto do Hino Nacional.
- Carregar! Apontar! Fogo!
Vigoroso, o sargento ordena.
- Cortar grama, encerar o piso,
Serenamente o cabo diz.
E assim, vibrante e empolgado
O moleque virou aprendiz.
Homenagem a todos os monitores, instrutores e professores das Escolas de Aprendizes-Marinheiros da Marinha de Brasil.
(Poema da coletânea “Vida de Marinheiro”, 2007, Editora Elogica, Pernambuco.)
Para concluir, gostaria de registrar nessa coletânea que parti da EAMPE para servir a Marinha levando na bagagem preparação para ser um bom Marinheiro, na cabeça, a esperança e no coração a amizade dos irmãos Indianos que guardo comigo para sempre. Foram trinta anos de efetivo serviço cheios de espinhos e rosas; decepções, realizações e emoções, jamais esquecidas, que, com muito prazer, descrevo minuciosamente na nossa coletânea “Vida de Marinheiro”. VIVA A TURMA ÍNDIA 1968-1969, DA EAMPE – O ORGULHO DA MARINHA DO BRASIL!
Beltrão – AM-423